Por que exercer a cidadania em um mundo individualizado
As organizações já perceberam, e os indivíduos também: engajamento é a ferramenta mais potente para o desenvolvimento em todas as esferas
Você se considera um cidadão ativo? Exerce seus direitos políticos, econômicos, sociais e culturais? O conceito de cidadania remonta à Grécia antiga, como se sabe desde os primeiros aprendizados da vida escolar. No entanto, o berço da cidadania passava longe de ser democrático. Escravos, pobres, mulheres e estrangeiros não eram nem mesmo considerados cidadãos e, portanto, essa função ficava restrita à elite, que a tomava como dever, mais do que direito.
Ser bom cidadão, segundo Aristóteles, não implica necessariamente em ser bom homem – ou boa pessoa, para trazer à leitura atual da igualdade. Em uma visão bastante simplificada, a cidadania hoje em dia é entendida como a base do relacionamento entre o indivíduo e o Estado. Claro que há uma série de nuances que permeiam essa relação, entre elas a noção de pertencimento, a justiça, a democracia e a consciência social e ambiental.
De maneira geral, cada comunidade compartilha demandas individuais semelhantes e, portanto, pode encontrar no exercício coletivo da cidadania o fortalecimento de que precisa para ter as suas necessidades atendidas.
Com o advento das redes sociais e plataformas que permitem interação entre indivíduos conectados pela internet, a noção de comunidade também mudou. O avanço da tecnologia aproximou indivíduos com interesses coincidentes, que até então não se conheciam – e provavelmente jamais teriam seus caminhos cruzados no mundo analógico.
Se, por um lado, um certo anonimato e alguma impunidade encorajou pessoas e grupos a manobrar informações falsas (as fake News) e impedir alguns avanços, por outro, a tecnologia acabou fortalecendo a noção de comunidade, e viabilizando ações benéficas, em prol da melhoria da qualidade de vida.
Prometendo facilitar os processos do dia a dia, aplicativos proliferaram nos últimos anos, como ferramentas práticas para a realização de funções que antes demandavam tempo, locomoção ou gastos.
Cada vez mais separadas fisicamente, as pessoas transferiram para o ambiente virtual parte de suas atividades, e entre elas o próprio exercício da cidadania. Ali, apesar de agirem isoladamente, fiando-se nas leis de proteção de dados, elas podem ser identificadas, rastreadas e, especialmente, agrupadas de acordo com interesses mútuos.
Com recursos de inteligência artificial, as informações movimentadas no ambiente digital constroem grandes bancos de dados (big data) que podem ser diretrizes importantes para a tomada de decisões por parte de gestores públicos e privados.
Este foi o conceito utilizado na criação do QZela, um aplicativo para celular lançado em 2019, de uso gratuito para o cidadão, que permite reportar os problemas de zeladoria urbana das cidades. Ao baixar o app, o usuário encontra 40 segmentos e pode reportar até 400 ocorrências ligadas à gestão dos espaços públicos.
“É uma política pública de bolso”, diz o engenheiro Roberto Badra Sallum, CEO da empresa desenvolvedora do aplicativo. “Com a tecnologia, e por meio de inteligência artificial, podemos não só aproximar os munícipes para fortalecer a voz do indivíduo como comunidade, mas também garantir as informações por meio de fotos e georreferenciamento”, explica o empresário.
Os dados coletados pelos aplicativos alimentam plataformas que os organizam e estruturam em estatísticas, gráficos, mas sobretudo permitem o agrupamento de demandas que podem ser decisivas para gestores. Ao vislumbrar a repetição de ocorrências em uma determinada área, é possível prever problemas antes que eles aconteçam, ou programar a logística de operações de maneira a evitar desperdícios.
Para a população, a tecnologia pode ter isolado os indivíduos, porém o mundo virtual - e, em particular, o dos apps -, vem disponibilizando canais em que o indivíduo pode exercer ou recuperar a cidadania.
No caso de QZela, por exemplo, os usuários podem inclusive usar aplicativo de maneira conjunta, quando uma comunidade ou um grupo precisa que seus problemas sejam enxergados pelo poder público. Ao engajar pessoas e multiplicar as vozes, alimenta-se o banco de dados e, portanto, a relevância das demandas, que vão desde problemas de pavimentação, iluminação pública e saneamento, até questões pontuais, como descarte irregular de lixo ou terrenos abandonados.
“O mais importante é que o cidadão perceba que a sua voz vai ser fortalecida; que ele pode contar com essa ferramenta gratuita para documentar e dar relevância às suas demandas, como uma forma de exercer o direito de se manifestar de uma forma dirigida”, diz Roberto Badra.
O conceito de cidadania ativa tem ganhado expressão em diversas áreas que envolvem responsabilidade social, ambiental, cultural, econômica e política. Ele descreve o grau de envolvimento dos indivíduos nas questões públicas, o que pode ser feito nas esferas locais ou regionais, mas também no âmbito global.
Além de ter efeitos benéficos diretos para as comunidades, o modelo de engajamento dos indivíduos para a cidadania também se mostra um caminho consistente para as políticas públicas e condutas empresariais.
Num planeta repleto de desigualdades e problemas ambientais, as organizações já têm por princípio que o único caminho sustentável é agir com responsabilidade social. E, nesse sentido, a tecnologia ajudou a cumprir o papel primordial da cidadania: melhorar o relacionamento entre o indivíduo e o poder público. Em alguns casos, não é preciso mais do que tirar o celular do bolso, e clicar no ícone do engajamento.