Lei federal não basta para logística reversa: é preciso envolver todos

É preciso tratar dos resíduos, rejeitos e embalagens como produtos relevantes, aplicando métodos de reuso ou descarte com acompanhamento de todo o ciclo

March 16, 2020
Publicado por Cleci Leão.

O ciclo de materiais precisa ser fechado: não há mais como manter a cadeia de produção e consumo nos moldes dos séculos anteriores: industrialização, uso, descarte, nova industrialização, uso, descarte. É preciso tratar dos resíduos, rejeitos e embalagens como produtos relevantes, aplicando métodos de reuso ou descarte com acompanhamento de todo o ciclo, da mesma forma como se faz nos processos produtivos. Vem daí o conceito de Logística Reversa, o rastreamento do caminho inverso àquele previsto na cadeia de consumo.

Logística Reversa aplica-se a uma série de operações que fazem parte do ciclo comercial (como devolução e troca de produtos, por exemplo), mas uma delas tem ganhado cada vez mais destaque, não apenas por se mostrar extremamente necessária para a sustentabilidade dos recursos mundiais, mas também por chamar a atenção para um novo mercado, nada antigo e tampouco glamoroso, mas extremamente atrativo: o lixo.

No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS estabelecida pela Lei 12.305/10 define a logística reversa como instrumento de desenvolvimento econômico e social com foco na destinação de resíduos sólidos. Apesar de já completar uma década, assim como o decreto 7.404/10 que versa sobre a necessidade de organizar e manter um sistema de informação para acompanhamento da cadeia de resíduos, a lei ainda é aplicada de formas bastante diferentes de setor para setor.

Mercados como o do alumínio, em que o processo de reciclagem é mais direto e o produto é mais lucrativo, já estão bastante avançados nesse sentido. Plásticos e vidros também ganharam alguma velocidade nos últimos anos, porém estes têm uma cadeia bastante complexa, que tem início no fabricante, passa pelo envasador, varejo ou indústria, e então o consumidor final. O processo de logística reversa desses materiais é absolutamente possível, embora envolva custos com o sistema de separação, limpeza e reprocessamento, incluindo o tratamento da água utilizada na lavagem de materiais.

Há também um novo segmento em plena ascensão, que é o do lixo eletrônico. Quem não possui uma gaveta em casa cheia de velhos celulares, carregadores, talvez até notebooks, teclados e tablets que nem funcionam, e nem valeria a pena consertar por sua obsolescência de dados? Pois esse lixo de “metais preciosos” também tem se mostrado uma mina de ouro, desde que organizada a destinação correta: postos de recebimento, reciclagem e reuso industrial.

No dia 9 de março, foi discutido na Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei 259 do vereador Gilberto Natalini (PV-SP), que versa sobre o que o superintendente da Abividro, Lucien Belmonte, chama de “vácuos” da lei federal: “o modelo de coleta é feito para não funcionar, e todos da cadeia acabam empurrando responsabilidades”, disse Belmonte.

“É necessário adaptar a lei federal, que é boa, mas tem dificuldade de ser implantada”, advoga Natalini. Segundo o vereador, o PL 259 amplia a rede de agentes responsáveis pelos materiais ao criar metas, prazos e estipular sanções para as empresas que não se responsabilizarem ativamente pela coleta, reincorporação na produção ou destinação adequada dos resíduos gerados pós-consumo.

Nesse sentido, fica claro que a logística reversa aplicada à sustentabilidade e retorno de materiais não pode se restringir a uma única lei generalizada e tampouco a um ou outro elo da cadeia. É necessário sensibilizar, capacitar e aplicar medidas cabíveis a todos os envolvidos no processo, desde a indústria até o consumidor, passando pelas autoridades reguladoras.

No Brasil, o aplicativo QZela, lançado no fim de 2019, permite ao cidadão apontar problemas de zeladoria urbana de maneira gratuita. Entre as categorias de ocorrências listadas no app, está o descarte irregular de lixo, que pode ser reportado em segmentos como calçadas, vias públicas, ciclovias, praias, parques e praças. A informação alimenta um banco de dados gerido por inteligência artificial (IA), que garante a credibilidade de informação e gera estatística confiável para o município. A cada problema reportado, o usuário vai somando pontos, que incentivam ações para a melhoria da cidade. “Na questão dos descartes, QZela é uma ferramenta de grande ajuda para a administração pública, mas também para gestores privados, que podem se beneficiar da informação georreferenciada e garantir mais eficiência ao processo de identificação e coleta de resíduos sólidos”, explica Roberto Badra Sallum, CEO da Westars TG, empresa desenvolvedora do app.

QZela participa do Dia Mundial da Limpeza, uma ação de 36 horas no planeta inteiro para coleta de lixo irregular e conscientização sobre descarte, poluição e, sobretudo, consumo. No dia do evento, o app disponibiliza um ícone exclusivo para reportar os pontos de coleta e produz um relatório apurado para a geração dos relatórios estatísticos produzidos pelos organizadores do evento.

Antigamente considerado um estorvo, escondido e afastado o lixo já tem sido visto há algum tempo como fonte de renda. No interior de São Paulo, o município de São Bento do Sapucaí passou a sustentar quatro entidades sociais com a renda de um pátio de reciclagem criado em um terreno da prefeitura. “Além de economizar a viagem de 16 caminhões que seguiam mensalmente para Taubaté-SP, a cidade ganhou recursos com a destinação do próprio lixo”, explica Martin von Simson, administrador de empresas especializado em transportes e logística que preside o Conselho Municipal de Turismo do município. “No começo, com uma prensa simples, a prefeitura já reduziu o espaço de materiais transportados, uma vez que deixou de carregar ar. Em seguida, implantamos o processo de separação e lavagem dos materiais, gerando renda para o município e muito mais conscientização para o cidadão”, contou o empresário.

São Bento do Sapucaí acaba de receber da Secretaria do Meio Ambiente o “Selo Verde”, do Programa Município VerdeAzul, que premia as cidades com melhor desempenho ambiental.